201 - Ana Roseira
Os Guardas Prisionais Portugueses, um projeto de investigação interdisciplinar
Ana Pereira Roseira
Doutoranda CES / Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Doutoramento em Linguagens e Heterodoxias: História, Poética e Práticas Sociais
Vinculado à área científica de História Contemporânea, este Plano de Dissertação constrói-se em articulação com a formação no domínio da Sociologia, propondo uma análise da evolução histórica, desde o 25 de Abril até à atualidade, da situação profissional dos guardas prisionais portugueses e das principais funções delegadas nestes agentes de segurança. Serão interpretadas as principais reformas ocorridas relativamente aos meios de segurança e de coerção penal, aplicáveis no contexto da pena de prisão em Portugal, desde logo por se tratarem do corpo essencial das tarefas exercidas por estes profissionais.
Assim, pretende-se desenvolver uma investigação histórica, complementada por uma abordagem sociológica que visa, num esforço interdisciplinar, aferir uma versão da história dos meios de segurança e de coerção penal através do contributo dos próprios protagonistas sociais que os exercem, sempre em confronto com outras fontes e com uma análise crítica da evolução jurídica destes dispositivos de segurança.
O objetivo desta perspetiva será o de aferir, além das representações sociais dominantes sobre a figura do carcereiro, a opinião dos próprios guardas prisionais sobre os meios de segurança e de coerção penal, que apenas eles próprios acionam e executam, tentando compreender de que forma foram lidando com o exercício dessas suas funções profissionais ao longo das últimas décadas.
Pressupondo que os guardas prisionais são, potencialmente, o agente mais estratégico em qualquer tipo de mediação cultural possível em contexto prisional, entre o recluso e a sociedade, pretende-se questionar como é que estes profissionais têm vindo a viver a sua própria “reclusão”, pensando ainda de que modo esta experiência específica poderá influenciar esse mesmo processo de mediação.
Por um lado esta investigação incide a um nível mais micro, buscando quer um objeto pouco abordado, tanto pela História como pela Sociologia, quer uma perspetiva também pouco comum, que é não a dos presos mas a da figura do carcereiro e da sua construção (incontornável) para a definição e constituição do Estado como o concebemos. Justifica-se portanto a necessidade de uma abordagem qualitativa, de recolha de testemunhos, de forma a dar voz aos agentes (tidos como) menores do exercício das coerções em causa,
não privilegiando advogados, juízes ou outros profissionais envolvidos na delimitação e gestão deste tipo de Regulamentos.
Conforme concluem os relatórios dos principais estudos recentemente realizados sobre esta matéria, “é necessário investir na formação profissional do pessoal técnico e dos guardas prisionais”. (Santos, 2003: 467) Parece evidente a importância, neste contexto, da formação especialmente destinada aos agentes do Corpo da Guarda Prisional, com vista a assegurar uma correta aplicação dos Regulamentos. Justifica-se ainda a pertinência desta perspetiva com os estudos que têm vindo a comprovar que a catividade desenvolve patologias graves em qualquer ser humano, estando todos os indivíduos que trabalham nos estabelecimentos prisionais sujeitos a riscos acrescidos de desintegração social.
Será relevante analisar a evolução das condições laborais dos guardas prisionais, nomeadamente, através dos contributos de alguns estudos realizados no âmbito da sociologia das profissões (Cf. Analía Soria Batista, 2008), que atentam especificamente a aspetos como: o regime de trabalho (plantão, expediente), a carga horária da jornada e da semana, as folgas, o salário, as gratificações, a sindicalização, o tipo de formação, as especificidades dos tipos de recrutamento, os processos de integração dos novos pelos restantes agentes, etc.
As principais conclusões destes estudos que se debruçaram sobre a profissão do guarda prisional, remetem para a grande complexidade das atividades que lhe são inerentes bem como para o elevado grau de estigmatização social destes agentes. De facto, ao carcereiro sempre estiveram associadas representações negativas, nomeadamente pelas suspeitas de comportamentos de corrupção e de violência informal.
Assim, urge perguntar: como lidam os guardas prisionais com o exercício das suas funções profissionais? Como vivem a sua própria “reclusão”? E de que modo esta experiência específica é útil no processo de mediação? Ou antes, importará perceber em que medida esse papel de mediador fica comprometido pelos riscos físicos e psíquicos a que estes profissionais estão diariamente sujeitos.
Os guardas prisionais são progressivamente responsabilizados apenas pela gestão da segurança das prisões e demitidos dos processos de administração e de reintegração social, tarefas que são remetidas para técnicos e diretores, os quais por sua vez reclamam fraca autonomia e poder para o exercício destas mesmas funções. No entanto, sabe-se que são os guardas prisionais que estão, efetivamente, perante a inevitabilidade de intermediar a própria intimidade dos reclusos, nas dúbias fronteiras entre a esfera pública e a vida privada dos indivíduos.
Os poucos trabalhos realizados no nosso país sobre guardas prisionais consistem em investigações no âmbito da Psicologia, que consideram que o guarda prisional se caracteriza, entre outros profissionais de ajuda e no conjunto das profissões consideradas de risco, por ser o profissional mais vulnerável ao stresse ocupacional.
Uma das principais razões apontadas para justificar esta suscetibilidade ao stresse é o facto de os guardas prisionais terem, supostamente, que participar no processo de reinserção dos reclusos, e de realizar neste sentido muito trabalho burocrático e administrativo, ao mesmo tempo que são os responsáveis pela segurança do Estabelecimento Prisional onde exercem a sua atividade profissional. Serão estas missões incompatíveis? Estarão os agentes de segurança prisional perante um conflito de papéis? O que pensam os próprios guardas prisionais sobre esta questão?
O contexto organizacional e laboral inerente aos Estabelecimentos Prisionais parece ter sido apontado por estes estudos, contudo, como sendo o mais importante fator propiciador de stresse, o que deixa outros profissionais das prisões igualmente expostos a esta mesma problemática.
As principais conclusões destes poucos estudos que se debruçaram sobre a profissão do guarda prisional, remetem para a grande complexidade das atividades que lhe são inerentes bem como para o elevado grau de estigmatização social destes agentes. Será neste contexto que esta investigação tentará compreender como é que os guardas prisionais percecionam as transformações que têm afetado a sua profissão, desde o 25 de Abril de 1974 até à situação presente, e como é que avaliam, perante as mesmas, o seu percurso profissional pessoal.
Referências Bibliográficas
Analía Soria Batista (2008), “Condições de Trabalho dos Agentes Penitenciários do Distrito Federal e de Goiás” in Rosso, Sadi Dal, Fortes, José Augusto Abreu Sá (2008), Condições de trabalho no limiar do século XXI. Brasília: Épocca.
Chauvenet, Antoinette, Orlic, Françoise et Benguigui, Georges (1994), Le Monde des Surveillants de Prison. Paris: PUF.
Cunha, Manuela Ivone (2002), Entre o Bairro e a Prisão: Tráfico e Trajectos. Fim de Século.
Dores, António Pedro (org. 2003) Prisões na Europa. Oeiras: Celta.
Foucault, Michel (1975), Surveiller et punir. Paris: Editions Gallimard.
Goffman, Erving (1986), Asylums, Londres: Penguin books.
Santos, Boaventura Sousa, Gomes, Conceição (2003), A Reinserção Social dos Reclusos. Um contributo para o debate sobre a reforma do sistema prisional. Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra: Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
Wacquant, Loic (2000), As Prisões da Miséria. Oeiras: Celta.