107 - Pedro Providência
Bases para um Plano Acção de Salvaguarda dos Revestimentos e Acabamentos Tradicionais para o CH de Coimbra – Plano de Cor
PEDRO Francisco Mendes Pinheiro da PROVIDÊNCIA e Costa
Doutorando CES
1. Introdução
O estudo da conservação de edifícios antigos, designadamente os dos núcleos urbanos históricos, tem sido alvo de preocupação internacional. Assim, o objecto de estudo, que anteriormente se limitava aos monumentos de maior importância, alargou-se a outros edifícios (conjuntos arquitecturais, edifícios de acompanhamento, etc.). A preocupação com o estudo dos edifícios habitacionais, industriais e comerciais dos núcleos urbanos históricos, que, isoladamente ou em conjunto, permite compreender o modo como o homem se organizou, viveu e trabalhou ao longo do tempo, resulta, além de outras circunstâncias, da importância que estes núcleos urbanos assumem na percepção da identidade sociocultural das regiões, fomentando simultaneamente a promoção turística e, consequentemente, a valorização cultural e o desenvolvimento económico das cidades históricas.
2. Método, estrutura e objectivos:
Procura-se reflectir como é que a actualidade, nas suas variadas formas de expressão (política, social, cultural, entre outras), moldou e modificou a “nova” percepção da cidade histórica. Provavelmente, os procedimentos utilizados no passado nas intervenções de recuperação dos edifícios tiveram naquela época um impacto social e cultural diferente daquele que ocorre actualmente, devido ao reconhecimento da cidade antiga.
Por último, procura-se reflectir no modo como actualmente se poderiam recuperar e fazer renascer as “emoções antigas”, no âmbito da elaboração de um Plano de Cor, com base nos revestimentos e acabamentos já identificados, e outros a identificar. Como poderá a cidade histórica voltar a apoderar-se do seu valor intangível, mas não estático, de inovação ou de “provocação” que teve no decurso das várias fases pelas quais passou a sua construção – tendo em consideração as opções ditadas pelo “gosto”, “estilo”, “tempo”, entre outros factores, que foram ocorrendo na definição dos revestimentos e acabamentos, nomeadamente no que respeita à cor –, respeitando os critérios e metodologias de intervenção no património arquitectónico, e tendo como base os resultados de estudos internacionalmente reconhecidos, análogos ao que agora se pretende desenvolver?
3. Resultados esperados:
Os resultados esperados poderão ser um contributo decisivo para a requalificação da imagem urbana histórica, ao estabelecer metodologias cuja divulgação alargada permita estender esses resultados a outras cidades históricas com problemas similares. O meio sociotécnico (autarquias, proprietários, projectistas, executantes, indústria da construção) das cidades com tecidos históricos que necessitem de recuperação poderá receber uma contribuição substantiva pela disponibilização de informação organizada que hoje apenas existe de forma avulsa, promovendo a economia das próprias cidades que cada vez mais dependem de uma utilização adequada do seu património urbano.
4. Conclusões:
Nos seus mais diversos quadrantes – político, religioso, cultural e social – as sociedades hodiernas têm vindo a manifestar grandes preocupações de intervenção para aperfeiçoamento do espaço urbano, com o propósito de melhorar a qualidade de vida do cidadão. Como exemplo, tanto a reabilitação dos centros históricos como os acessos às cidades são problemas a que estas tentam dar solução. Deste modo, as cidades vão-se desenvolvendo e crescendo, mostrando uma nova imagem e um nível mais alto de qualidade de vida com os quais se apresentam ao resto do país e além-fronteiras, atraindo novos habitantes, novos investimentos e novos visitantes.
Os centros históricos são, actualmente, dos principais pólos urbanos a fomentar o turismo, permitindo, assim, promover o desenvolvimento económico das regiões em que se situam.
Contudo, têm-se cometido muitos erros na conservação e restauro do património, motivados por falhas de planeamento e, infelizmente, pela falta de ética profissional frequentemente devida à imposição de timings incompatíveis com os necessários no âmbito de intervenções desta natureza. Na verdade, é inconcebível que, nos dias que correm, as acções de intervenção no património não sejam precedidas de critérios e metodologias adequadas aos sistemas construtivos tradicionais da região em causa, e que não estejam em consonância com as cartas e convenções internacionais, como são exemplos a Carta de Cracóvia de 2000 e, mais direccionada para a conservação da imagem urbana nas suas mais variadas especificidades, a Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas, também conhecida por Carta de Toledo, de 1987, que passamos a citar:
2. Os valores a preservar são o carácter histórico da cidade e o conjunto dos elementos materiais e espirituais que lhe determinam a imagem, em especial: a forma urbana definida pela malha fundiária e pela rede viária; as relações entre edifícios, espaços verdes e espaços livres; a forma e o aspecto dos edifícios (interior e exterior) definidos pela sua estrutura, volume, estilo, escalas, materiais, cor e decoração1; as relações da cidade com o seu ambiente natural ou criado pelo Homem; as vocações diversas da cidade adquiridas ao longo da sua história.
Qualquer ataque a estes valores comprometerá a autenticidade da cidade histórica (Carta de Toledo, 1987).
No decurso deste estudo descobrimos o fenómeno da “cor como bandeira política”. É curioso o facto da proliferação de cores que surgiram no CH, a partir do início do século XXI, como que em reacção à homogeneidade da imagem do CH na cor branca, do século passado, cultivada pelas doutrinas do Estado Novo.
Este fenómeno levou-nos a reflectir sobre o “desempenho” do branco na atmosfera da cor da imagem do CH. O estudo permitiu revelar que a cidade antiga, para além do branco, tinha outras cores que, até à data, se encontravam, parcialmente, ocultas pelos revestimentos que lhes foram aplicados a posteriori. Contudo, o estudo revelou, também, que a cor predominante dos revestimentos do pano de fachada era branca e que, a criar ritmos no conjunto do edificado, surgiam, pontualmente, outras cores, para além do contraste, claro/escuro, da cor da pedra dos elementos arquitectónicos com a cor branca do pano da fachada. Em grande parte, estes elementos também se encontravam ocultos pelas caiações que lhes foram aplicados subsequentemente.
Em resultado do presente estudo, relativamente ao tipo de revestimento final, constata-se que apenas cerca de 25% dos edifícios preservam, à partida, os revestimentos e acabamentos tradicionais, contra cerca de 75% que já sofreram intervenções recentes, com metodologias desadequadas. No entanto, é de referir que algumas destas intervenções são superficiais, de cosmética, e os revestimentos tradicionais desses edifícios não foram sacrificados na globalidade.
Dos revestimentos finais tradicionais, as argamassas e as pinturas de cal são os predominantes, sendo que ainda existem alguns casos de fingidos de cal, seguindo-se, numa pequena percentagem, os revestimentos azulejares.
No que respeita à cor dos revestimentos e acabamentos antigos, de cal (pinturas e barramentos), constata-se que, além da cor branca, estão em maior número as cores cujos pigmentos são oriundos dos óxidos de ferro das terras-naturais da região, como é o caso dos ocres amarelos e vermelhos (hematites), seguindo-se, em menor número, as tonalidades das cores correspondentes a pigmentos mais caros e menos acessíveis, produzidos com recurso a técnicas mais sofisticadas. Estes surgem num período mais tardio e correspondem aos azuis e verdes, sendo que os últimos são, de todas as cores, os que apresentam um menor número de casos identificados.
Relativamente à cor das pinturas em tinta de óleo, à semelhança, e pelos mesmos motivos, do constatado para os revestimentos e acabamentos de cal, as tonalidades das cores prevalecentes são os castanhos e vermelhos escuros (sangue-de-boi), seguidas dos verdes (verde loureiro e verde oliveira), encontrando-se estas 3 cores, sobretudo, nas portas e aros das caixilharias, em harmonia com as serralharias, e o branco “sujo” nas folhas das caixilharias.
Importa referir, ainda, a forte presença dos tons creme das cantarias - grande parte delas executadas em argamassas de cal (fingidos de pedra) - do casario e da elevada concentração de monumentos na imagem do CH.
5. Agradecimentos
O presente estudo foi em parte apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através da Bolsa de Doutoramento com a referência: SFRH/BD/60389/2009, e do Projecto PTDC/AUR-URB/113635/2009.
6. Bibliografia
Providência, Pedro, A Epiderme do Centro Histórico de Coimbra – Estudos Cromáticos e Contributos para a sua Conservação; Dissertação de Mestrado; Universidade de Évora, 2008.
1 O destaque a negrito é nosso.