Trajectórias de Esperança: itinerários institucionais de mulheres vítimas de violência doméstica |
Resumo:
A desigualdade de género permanece uma das mais significativas formas de exclusão nas sociedades contemporâneas, constituindo a violência contra as mulheres uma expressão particularmente cruel dessa realidade. Fenómenos como a violência doméstica, o tráfico sexual, o assédio sexual, entre outros, têm merecido atenção crescente por parte dos organismos internacionais e dos governos nacionais. Portugal não é excepção, sendo notório, nos últimos anos, um esforço para aumentar a ajuda institucional às mulheres em situação de violência com: a criação dos Planos Nacionais para a Igualdade e Contra a Violência Doméstica (PNCVD); a criação de mais casas abrigo; a multiplicação de estruturas de atendimento; a formação das polícias; e uma crescente sensibilização pelos profissionais de saúde. Para além destas medidas, as políticas desenvolvidas em Portugal têm passado por uma forte aposta na mudança legislativa. As mulheres são cada vez mais encorajadas pelas diferentes instituições a fazer uma denúncia formal do seu agressor. Mas que ajuda é efectivamente dada a estas mulheres? O nosso objectivo geral consiste no estudo do papel do Estado e da sociedade civil na ajuda às mulheres em situação de violência doméstica (aqui entendida como violência conjugal), e no modo como as instituições se articulam, dialogam e estabelecem, ou não, dinâmicas de acção capazes de agilizar processos que contribuam para uma superação das estruturas e relações sociais que fomentam ou perpetuam a violência sobre a mulher. Não é por acaso que um dos objectivos do III PNCVD é, precisamente, “alargar a rede social de protecção, bem como de outras respostas integradas de base comunitária dirigidas à redução dos efeitos negativos da vitimação”. A maior ou menor eficácia conferida a estas políticas está dependente, pois, em grande medida, da capacidade de actuação em rede por parte das diferentes instituições estatais [polícias, hospitais, instituto de medicina legal, instituto de segurança social (ISS), instituto de emprego e formação profissional (IEFP) e tribunais], mas também da dinâmica na relação entre estas e as estruturas agilizadas pela sociedade civil (e.g. estruturas de atendimento ou casas abrigo a cargo de ONGs). A questão de partida que norteará este projecto é: quais são e que dificuldades apresentam os itinerários institucionais que as mulheres em situação de violência doméstica percorrem até atingirem um patamar de estabilidade, segurança e justiça, que lhes permita exercer plenamente os seus direitos, individuais e colectivos? Este objectivo geral estrutura-se em quatro objectivos específicos. Em primeiro lugar, mapear as instituições - estatais e da sociedade civil - que estão no terreno, analisando as suas competências, o seu desempenho e o seu papel na trajectória que as mulheres percorrem a partir do momento que decidem denunciar uma situação de violência. Para além da caracterização das instituições que actuam neste processo, é necessário identificar as principais portas de entrada no sistema de apoio e os mecanismos que são mais facilitadores da tomada de decisão de procurar ajuda institucional. Em segundo lugar, detectar emergências e ausências na articulação no terreno entre as diferentes entidades, identificando as pontes que se criam entre as instituições estatais (como, por exemplo, entre os tribunais cíveis e criminais, o ISS e o IEFP), entre as ONGs e as IPSS (por exemplo, na colocação de uma mulher em diferentes casas abrigo) e, por fim, entre Estado e ONGs (por exemplo, entre polícias e ONGs, entre ONGs e ISS, entre ONGs e tribunais). Ainda com este objectivo, será fundamental avaliar o conhecimento que diferentes actores institucionais detêm sobre a rede de protecção a que podem recorrer, bem como os mecanismos de articulação, formais e/ou informais, existentes no sentido de assegurar um maior grau de eficácia. É igualmente importante identificar as boas práticas, de modo a poderem ser disseminadas. Um terceiro objectivo pretende ter em conta a experiência e a subjectividade das mulheres que percorrem estes itinerários institucionais, através da selecção de estudos de caso. Pretendemos estudar as diferentes trajectórias detectadas e possibilitadas pelo sistema, procurando, ao mesmo tempo, perceber os apoios que obtiveram, as dificuldades e receios que sentiram na busca de uma nova esperança. O objectivo final é contribuir para que estas mulheres escapem a um processo de dupla opressão: por um lado, a violência de género original e, por outro, a “violência” que um itinerário pleno de obstáculos pode implicar em mulheres que tomaram a decisão de recorrer ao sistema institucional. É por esta razão que assumimos como prioridade que os resultados atingidos obtenham um impacto social significativo, capaz de contribuir para a discussão sobre as medidas necessárias a adoptar em prol de um itinerário institucional eficaz, célere, digno e justo desde a denúncia até à decisão judicial, sem esquecer o pós-decisão judicial.
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