Pretendemos identificar e analisar as transformações nos regimes de gestão florestal em Portugal no seguimento dos incêndios de 2003, da recente expansão do nemátode do pinheiro e do declínio do sobreiro. As crises geram controvérsias pois podem ser analisadas de dois modos distintos: i) como eventos de ruptura que requerem intervenção para a mitigação de riscos ou ii) como oportunidades para a emergência de novos arranjos sócio-ecológicos para a reconversão/recuperação de florestas marginalizadas. Estas visões conceptuais têm um forte impacto nas propostas de regimes para a gestão da floresta. O nosso objectivo é analisar o impacto das crises florestais nas perspectivas sócio-técnicas do Estado e das entidades não governamentais relacionadas com a floresta, no sentido de analisar como a ciência, as políticas florestais e o uso da terra foram modificados.
Portugal sofreu incêndios florestais catastróficos que acarretaram um intenso debate público e político em torno da eficácia dos mecanismos de resposta e das responsabilidades na gestão de floresta em terras abandonadas. Os debates voltaram à ribalta com a expansão da epidemia do nemátode do pinheiro, que força a tratamentos de controlo agressivos para possibilitar a exportação de produtos, e com o evidente aumento da mortalidade entre a população de sobreiros, que levam a quebras na produtividade das árvores. Podem ser reconhecidos dois debates centrais: 1) um centrado no fogo e na mitigação de factores de doença, focado na protecção pública, bens e actividades económicas; 2) e outro sublinhando as causas para o aumento da vulnerabilidade das florestas ao fogo e doenças. Alguns apoiantes do segundo debate enfatizam as singularidades da gestão tradicional dos ecossistemas mediterrânicos, em que a intervenção humana é parte integrante do ecossistema. O abandono de terras afecta tanto os ecossistemas mediterrânicos, integrados com as actividades de exploração agrícola, como os produtivos modelos de monocultura florestal. As monoculturas de pinheiro resultantes de programas de reflorestação são particularmente susceptíveis a doenças e mais vulneráveis a incêndios devido à acumulação de biomassa florestal.
A sobrevivência e resiliência das plantações de floresta marginalizada está dependente da sua adaptação a novos papeis numa abordagem de “viver com o risco”, especialmente no que diz respeito a doenças que não podem ser erradicadas. É nossa intenção analisar as controvérsias sócio-técnicas em torno da gestão florestal, usando uma abordagem dos estudos sociais da ciência, pois permite uma visão integrada de múltiplas perspectivas, desde gestão de crises até decisões locais sobre usos da terra.
Este projecto será desenvolvido em cooperação com um painel composto por representantes de agências nacionais, associações de produtores florestais, de protecção natural, desenvolvimento local, e peritos científicos em incêndios, doenças florestais, ecologia florestal e politicas de planeamento, tendo como enfoque estudos de caso sobre o pinheiro e o sobreiro.
No intuito de definir as especificidades do caso português, faremos estudos comparativos em contextos internacionais afastados geograficamente mas com clima Mediterrânico: agroflorestas de pinheiros na Grécia e Chaparral na Califórnia. Para além da análise de como as crises influenciam a gestão florestal, politicas e intervenção, procuraremos tornar visível a situação das florestas em Portugal e as permanentes controvérsias entre as perspectivas sócio-técnicas para envolver a sociedade nos assuntos florestais. Iremos produzir um documentário com os filmes gravados durante o projecto e propor a criação de uma rede pedagógica destinada ao envolvimento de múltiplos actores directa ou indirectamente relacionados com florestas e escolas, no sentido de motivar uma cidadania científica.