Quem são os nossos magistrados? Caracterização profissional dos juízes e magistrados do Ministério Público em Portugal |
Nas últimas décadas, a crescente visibilidade social dos tribunais levou a que todos os seus operadores adquirissem uma maior significância. Embora esta mediatização não seja muitas vezes desejada (sobretudo pelos juízes e magistrados do Ministério Público), a verdade é que a importância crescente dos tribunais torna inevitável a sua adaptação a novas exigências e expectativas. Esta tendência ocorre em simultâneo com uma rápida transformação das profissões jurídicas, consequência não só das dinâmicas de mudança na sociedade, como também do esforço – traduzido em reformas judiciais – para manter um sistema judicial justo e eficiente. Em Portugal, mudanças de carácter social, profissional e judicial têm levado a que juízes e magistrados do Ministério Público (MP) enfrentem uma dinâmica de transformação, de natureza multifacetada. Neste contexto, várias questões tornaram-se inevitáveis: Quem são os nossos magistrados? De onde vêm e quais são as suas ideologias profissionais? Quais são as suas trajectórias profissionais e sociais? Que valores e representações possuem relativamente a temas sensíveis na sociedade e qual a importância que atribuem aos cidadãos? A resposta a estas questões nunca foi obtida em Portugal. Para além de reflexões intuitivas, não foi realizado até hoje qualquer estudo a este nível. Os únicos que podem ser mencionados são aqueles que incidem sobre os advogados, com um campo de análise limitado, e duas sondagens aplicadas às representações dos cidadãos relativamente à administração da justiça em Portugal (nas quais participaram membros desta equipa). Assim, o principal objectivo deste projecto é conhecer e caracterizar as “representações sociais”, nas suas múltiplas dimensões, dos magistrados de modo a, por um lado, contextualizar as suas dinâmicas profissionais, compreender o significado de uma decisão judicial ou da interpretação de uma certa lei e, por outro, conhecer as suas atitudes relativamente às reformas jurídicas e judiciais. Tendo como ponto de partida a questão “quem são os juízes e magistrados do Ministério Público portugueses, o que pensam, desejam e esperam?”, definimos três áreas de análise: (I) o perfil sociográfico dos magistrados, tendo em consideração as diferenças de sexo, idade, trajectória educacional, origem geográfica, classe social, etc.; (II) o itinerário e mobilidade profissionais e as atitudes relativamente às suas carreiras, direitos e deveres, e em relação à administração da justiça em geral; (III) e as representações e atitudes sobre questões sociais quotidianas que crescentemente são levadas aos tribunais. A estratégia metodológica adoptada exige uma estrutura multidimensional que inclui diversas técnicas sociológicas (quantitativas e qualitativas), uma análise política e sócio-histórica e uma abordagem jurídica assente nos seguintes tópicos: 1) a evolução do quadro legal definidor das funções dos magistrados desde a revolução de 1974; 2) o estudo dos estatutos profissionais, dos mecanismos de recrutamento e formação destes profissionais (Centro de Estudos Judiciários) e análise de informação estatística; 3) a evolução da “arquitectura judicial” (em especial dos diferentes Conselhos Superiores); 4) a história, papel e principais reivindicações das Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público; 5) e a análise dos programas de Governo e dos partidos políticos desde 1974. Todas estas dimensões são fundamentais para a preparação da principal tarefa: a aplicação de um inquérito ao universo de juízes e magistrados do MP em Portugal, que contará com a colaboração da Associação Sindical dos Juízes Portugueses e do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (parceiros do projecto). O inquérito procederá a uma caracterização geral dos magistrados nas dimensões já acima mencionadas: contexto social, trajectória educacional e profissional, auto-representação sobre o seu papel na sociedade, reflexão sobre o papel dos tribunais na sociedade, pensamentos relativamente aos ideais de justiça, ideologias profissionais, percepções políticas sobre temas sociais (por exemplo, trabalho, direitos das crianças, género, raça, orientação sexual, imigração, criminalidade, etc.) e sobre a importância dos cidadãos no seu desempenho. A equipa de investigação tem uma vasta experiência em projectos sócio-jurídicos sobretudo, mas não exclusivamente, através da colaboração no Observatório Permanente da Justiça. Participaram, igualmente, no segundo inquérito sobre a administração da justiça aplicado aos cidadãos e têm ainda estudos desenvolvidos no âmbito do desempenho dos Conselhos Superiores, do recrutamento e formação dos magistrados, entre outros. É nossa intenção promover um amplo debate sobre estas matérias, debate esse que é ainda mais necessário numa altura de profundas reformas judiciais que estão e irão afectar o equilíbrio entre as diferentes profissões jurídicas, num contexto de emergentes desafios ao direito e à justiça. |