Os sem direitos: a cidadania (limitada) dos imigrantes ilegais e o seu acesso ao direito e à justiça na União Europeia e em Portugal |
A cidadania e os direitos dos imigrantes – dentro destes os imigrantes ilegais/irregulares - na União Europeia (UE) e em Portugal são um tópico muito recente de investigação para o direito, os estudos das migrações, a ciência política ou os estudos sociológicos e/ou sócio-jurídicos sobre a cidadania em sentido amplo (Bauböck et al, 2006; Lucas Martín, 2006). Nesta nossa investigação privilegiam-se, assim, dois eixos analíticos. O primeiro eixo analítico resultará no estudo sistemático jurídico e sócio-jurídico dos direitos dos imigrantes na UE e em Portugal, visando definir o conteúdo da sua cidadania (ou cidadania limitada), de modo a vencerem a “não cidadania” e as nossas sociedades entrarem no reconhecimento de uma cidadania transnacional (Bauböck, 2004) ou pós-nacional (Soysal, 1996) ou uma cidadania inclusiva multilateral e local (Lucas Martín, 2006) ou cosmopolita (Santos, 1995 e 2002). O segundo decorre das mudanças nos sistemas de acesso ao direito provocadas pela crise do Estado-Providência, tornando pertinente a indagação, numa perspectiva de bottom-up e de top-down, quais os meios de acesso ao direito e à justiça que estão acessíveis aos imigrantes ilegais e às suas famílias. O sistema de acesso ao direito e à justiça foi utilizado por Marshall (1963) como um exemplo da dificuldade em conjugar a eficácia dos direitos civis e sociais e a eficácia dos direitos políticos (e os custos que envolvem tal processo). Quando relacionado com a imigração (e em especial a ilegal/irregular), o acesso ao direito e à justiça torna-se um indicador ainda mais sensível do nível de cidadania e de inclusão ou exclusão social. Desde o início dos anos sessenta que os estudo sócio-jurídicos se têm preocupado em estudar as reformas do acesso ao direito e à justiça (sistemas de apoio judiciário). Cappelletti e Garth (1978) realizaram um estudo comparativo sobre o acesso à justiça nos diferentes países, defendendo que o acesso à justiça tem sido desenvolvido através de três vagas: a primeira vaga terá começado por volta de 1965 e caracteriza-se pelo apoio judiciário aos cidadãos mais carenciados; a segunda vaga terá ampliado este movimento e, a partir da década de 1970, assistiu-se à defesa dos interesses públicos difusos (em áreas tais como a protecção do consumidor, meio ambiente, etc), apoiada pelo Estado, comunidade e financiamento privado; a terceira vaga teve lugar ainda durante os anos setenta, com a criação e implementação de mecanismos de resolução alternativa de litígios (ADR/RAL). Uma vez que estas três vagas coexistem nas nossas sociedades (Pedroso et. al. 2003) vamos focar a nossa atenção nas suas complementaridades, avaliando as principais transformações ocorridas, apesar do seu declínio recente (Paterson e Goriely, 1996) e consequentemente se o sistema de acesso ao direito e à justiça funciona como um instrumento de inclusão dos imigrantes ilegais/irregulares ou se estes têm mais dificuldade de lhe aceder que “os nacionais”. Em termos teóricos, todos os standards relativos aos direitos humanos se aplicam, mas, na realidade, os imigrantes, e especialmente os imigrantes ilegais/irregulares, estão fora do âmbito de aplicação (Canotilho, 2003). Baganha (2000) escreveu que os imigrantes podem estar a tornar-se uma "ethclass", que é um sintoma da sua exclusão da sociedade e do direito. No entanto, como Capucha (1998) demonstrou, o acesso aos direitos de cidadania e a participação social são condição indispensável para a inclusão social dos indivíduos. Partindo da hipótese da descoincidência entre “law in books” e “law in action”, a investigação pretenderá desenvolver os nossos trabalhos anteriores, ao estudar o impacto das leis aplicáveis aos imigrantes, o desempenho institucional e as práticas vigentes em Portugal que facilitam ou dificultam o acesso ao direito e à justiça dos imigrantes ilegais/irregulares, nas áreas relacionadas com o direito da nacionalidade e dos processos de legalização, nas áreas do direito de família, do direito de trabalho no âmbito da defesa criminal. Este estudo será efectuado ao nível nacional (através dos dados disponíveis) e ao nível local, em instâncias facilitadoras do acesso ao direito, estaduais e não estaduais, no concelho de Lisboa (por ser o maior do país e com uma eventual concentração maior de imigrantes ilegais). Estas duas escalas de análise e o estudo de caso permitirão a elaboração de um mapa sociológico e jurídico de caracterização do desempenho dos meios de acesso ao direito e à justiça dos imigrantes ilegais/irregulares, o que se apresenta como fundamental, pois o acesso ao direito e à justiça é condição essencial para que exista uma boa inclusão social dos imigrantes em Portugal. |