Segundo os Censos de 2001, existem 636,059 pessoas com deficiência em Portugal (6.1% da população). Apesar de leis e políticas transformativas, as vidas das pessoas com deficiência são marcadas pela exclusão, pobreza e preconceito. As mulheres deficientes ocupam uma posição particularmente vulnerável, acumulando as desigualdades baseadas no sexismo e na deficientização. No Plano de Acção para a Deficiência 2006-2015, o Concelho da Europa reconhece que “mulheres e raparigas deficientes enfrentam frequentemente múltiplos obstáculos à participação devido à dupla discriminação com base no género e na deficiência”. Este plano apela à remoção de obstáculos à igualdade nas esferas das relações, parentalidade, vida familiar, sexualidade e protecção contra a violência e abuso. Também o Parlamento Europeu emitiu um apelo no sentido de realçar “a importância de os Estados-Membros reconhecerem o direito óbvio das mulheres deficientes à sexualidade e à constituição de uma família” (2007: 7). Mais recentemente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reafirmou estas mesmas preocupações (artigo 23). Na esteira destas preocupações, e com uma ancoragem no Modelo Social da Deficiência, defendemos que as mulheres em geral, e deficientes em particular, enfrentam diariamente barreiras jurídicas, económicas e socio-culturais que coartam a possibilidade do “pleno exercício da cidadania íntima” (Roseneil, 2010).
Assim, o nosso objectivo principal é investigar os modos como as mulheres deficientes se relacionam com as esferas da sexualidade (Eixo 1) e da reprodução (Eixo 2), considerando oportunidades, obstáculos, expectativas e representações. Dentro de cada um destes eixos interessa-nos explorar um conjunto de dimensões.
No Eixo 1, Mulheres deficientes e sexualidade, queremos investigar temas relacionados com a sexualidade no âmbito da conjugalidade (casamento, coabitação e relações não co-residenciais), mas também em contexto não conjugal, incluindo o direito ao prazer e à autodeterminação.
No Eixo 2, Mulheres deficientes e reprodução, vamos estudar deficiência e maternidade desde uma perspetiva de género, considerando não só a maternidade biológica, mas também a adoção, a co-adoção e o acolhimento. Interessa-nos ainda a maternidade de substituição (‘barrigas de aluguer’) e a procriação medicamente assistida, cuja moldura jurídica coloca Portugal numa situação particular quando comparado com congéneres europeus.
Adicionalmente, considera-se o papel dos profissionais e familiares nas decisões das mulheres deficientes relativamente a sexualidade e a reprodução (Eixo 3, Representações culturais).
Este estudo compreende quatro etapas. Primeiro, a exploração de publicações relevantes nos campos dos Estudos de Género, Estudos de Deficiência e Estudos Feministas de Deficiência, com ênfase em textos centrados nas mulheres e com um enfoque interseccional. Durante esta etapa, a equipa receberá formação intensiva no Método Interpretativo Narrativo Biográfico (BNIM), após o que preparará os instrumentos de recolha de informação primária. A segunda etapa engloba o trabalho de campo, incluindo entrevistas biográficas a mulheres deficientes, entrevistas semiestruturadas a familiares e painéis de discussão com profissionais de saúde e técnicos de ONGs. Após uma análise preliminar dos dados, serão organizados seminários regionais sob o tema “Para além da Academia: o mainstreaming dos Estudos Feministas de Deficiência”, visando o mainstreaming dos Estudos Feministas de Deficiência. A terceira etapa inclui a análise documental e interpretativa intensiva. Durante a quarta etapa o trabalho centrar-se-á em tarefas de disseminação, incluindo uma conferência internacional com a participação das consultoras e instituições participantes. A equipa irá ainda produzir um documento de boas práticas para promover o mainstreaming dos Estudos Feministas de Deficiência nas esferas do direito, políticas sociais e sociedade civil.